Hoje estava refletindo sobre o isolamento social, sobre os reflexos da solidão e, principalmente, sobre o paradoxo que vivenciamos, e chego à conclusão de que precisávamos dessa parada obrigatória para salvarmos as relações humanas.
É verdade que a tecnologia globalizou o mundo de forma rápida e intensa. O dinamismo tomou proporções avassaladoras, perpassando todas as esferas do cotidiano, e engolindo, até mesmo, os relacionamentos, que se tornaram frágeis, descartáveis e instáveis. Hoje, temos espécies de “cardápios” de pessoas disponíveis nos diversos aplicativos de relacionamentos, que aproximam os indivíduos por uma única característica: a beleza física.
O match se dá pelo quanto você é bonito ou sensual e jamais pelo caráter. Afinal, no mundo apressado, acelerado e ansioso no qual vivemos, quem tem tempo de perguntar sobre nossa percepções, nossos sonhos e nossos valores? Não há tempo para conhecer. É a Era da Aparência.
Ainda, o acesso fácil e livre a toda qualidade de informações na palma da nossa mão formou uma geração de pessoas não-estudiosas, não-leitoras, e que não estocam mais as informações em suas próprias mentes. Só confiam nessa ferramenta incrível: o celular. Tanto só confiam, que depositam toda sua atenção nele, negligenciando a companhia dos amigos e familiares num restaurante, por exemplo. É fácil perceber. Basta olhar para a mesa ao lado e ver 4 pessoas que saíram juntas para o mesmo local, porém, não interagem entre si, ficando presas apenas aos likes das fotos das comidas que postam e nem apreciam o sabor. É a Era da Exposição.
Gastamos metade do nosso tempo olhando a vida perfeita de todos na timeline do Instagram e a outra metade nos frustrando por não termos o corpo perfeito, o cabelo perfeito, a pele perfeita e nem a conta bancária que nos permite apenas viver de viajar pra lugares perfeitos.
Nunca tivemos tanta depressão, tantos transtornos psicológicos e alimentares, tantas pessoas com o emocional completamente fragilizado, tanta negligência com os problemas sócio-culturais, tanta irresponsabilidade com o próximo...
Eu poderia citar mais uma infinidade de situações, mas, voltando ao coronavirus, penso: essa doença nos fez viver na nossa própria enfermidade. Estamos colhendo o que plantamos: o virtual, o digital, o efêmero. Fomos obrigados a nos separarmos uns dos outros, fomos obrigados a conversar exclusivamente via WhatsApp ou chamada de vídeo. O toque físico nunca fez tanta falta... sabe aquele abraço que tanto adiamos? Sabe aquele “vamos marcar” que nunca sai dos planos?
Pois bem, fica a reflexão sobre o que fazemos com a liberdade que temos. Será que estávamos aproveitando as pessoas que amamos ou apenas esperando o tempo passar sem, de fato, amá-las? Será que as redes sociais substituem aquela reunião de família ou de amigos? Será que o corpo perfeito do Instagram carrega, também, uma alma linda? Será que estamos cuidando do nosso interior com a mesma exigência que cuidamos do nosso exterior? Será que somos apenas capa? Será que já estávamos usando máscaras?
Espero que quando a COVID-19 passar, leve embora a maior mazela que nós mesmos criamos nas nossas relações. Que possamos fazer bom uso do ócio ao qual fomos obrigados a vivenciar. Que possamos, enfim, nos tratarmos dos “problemas” que nem sabíamos que tínhamos. Doentes já estávamos, só não era pelo coronavírus, e sim, pelo "fakevírus".
Quem você será após a quarentena? Estará curado?
Academia Médica, por Mayara Pinheiro Rodrigues Lucena