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ÂNGELA
Escrevia algo qualquer,
Numa noite comum e quente,
Quando de repente,
Uma enorme borboleta,
Amarela e preta,
Meio desnorteada
Entrou bêbada
Pela janela entreaberta.
Percorreu a sala
E pousou no vaso de flores
No canto do cômodo.
As mesmas flores
Que comprei pra levar
A um túmulo,
Mas tão lindas as achei
Que decidi que, em vez de
Enfeitar um morto,
Que enfeitasse minha vida.
E ela ficou lá
Minutos, até horas.
Não sei se observando
Ou descansando da fatídica
Jornada que fizera até chegar
A minha sala.
Tinha algo de sinistro,
Um cheiro de mistério,
Uma tendência de morte.
Nunca vi borboleta a noite!
Que imigrante seria ela?
Portadora de alguma notícia?
Se fosse, seria tragédia.
Fui até o vaso
Apanhei-a com as mãos,
Não apresentou qualquer reação,
E soltei-a pela janela
Noite afora.
Aquela visitante noturna,
Passou pouco tempo
E de novo sala adentro
Retornava a borboleta
Muito estranha.
Circulou e pousou no lírio,
No mesmo que antes estava.
Deixei-a à vontade.
Fui dormir,
Ela ficou.
O sono não vinha,
Pensando na majestosa macabra.
Finalmente adormeci.
E sonhei
Com aquele mesmo jardim
Que por muito passeei,
Com o lago que foi tão claro
E que nunca mais retornei.
Com a flor entre meus dedos
Admirando lágrimas do orvalho,
Do vento soprando forte
Oscilando os lírios branquinhos.
O jardim colorido de vida
Que só me traz lembranças
De morte.
E ela estava lá.
Borboleta negra
Pousou na minha cabeça.
Assustado acordei.
Que pesadelo horrível!
Meu Deus, o que esta havendo?
É madrugada
As luzes da manhã
Ainda não chegaram.
Caminhei para a sala
E sobre o vaso de lírios
Estava a borboleta.
Morta, rígida,
Dentro do copo da flor.
E só essa havia murchado
As outras continuavam lindas.
Perguntei-me,
Que esta havendo?
Abri a janela,
A janela que ela havia entrado.
Chovia muito lá fora,
Chuva e vento,
Água e dor.
Peguei o resto dos lírios,
Fiz uma bonita coroa
E sai no meio da chuva,
No começo da manhã.
Fui até o cemitério
O povo ainda não tinha chegado
Parecia que só eu estava acordado.
Pulei o muro do campo santo
E num túmulo perdido
Lá no meio da chuva
Depositei o meu buquê de lírios.
Olhei para o seu nome
Na lápide escorrida por lágrimas
Da chuva.
Meu corpo tremia
Mas não era de frio.
Fiquei em frente ao seu túmulo
Como que esperando
Você falar comigo.
Trovejava e relampeava no céu
Seco estalido de eletricidade.
Você ficou em silêncio
Já estava satisfeita
Por eu estar do seu lado.
Pôxa ! Você sabe o quanto
Dói-me vir aqui,
Ainda mais nesse dia.
É muito triste pra mim,
Tudo é triste até a chuva
Que sempre cai nesse dia.
Você sabia que eu não viria
Não é mesmo?
Por isso foi até nossa casa
Ontem a noite,
Não é mesmo?
Ah Ângela, meu anjo!
Apareça sempre que quiser
Mas, por favor,
Nunca mais venha
Na forma de uma
Borboleta negra!
02/11/1985
Josuepoeta
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