"E na minha noite sinto o mal que me domina.
O que se chama de bela paisagem não me
causa senão cansaço. Gosto é das paisagens
de terra esturricada e seca, com árvores
contorcidas e montanhas feitas de rocha e com
uma luz alvar e suspensa. Ali, sim, é que
a beleza recôndita está. Sei que também
não gostas de arte. nasci dura, heróica,
solitária e em pé. E encontrei meu contraponto
na paisagem sem pitoresco e sem beleza.
A feiúra é o meu estandarte de guerra.
Eu amo o feio com um amor de igual para igual.
E desafio a morte. Eu - eu sou a minha
própria morte. E ninguém vai mais longe.
O que há de bárbaro em mim procura
o bárbaro cruel fora de mim.
Vejo em claros e escuros os rostos
das pessoas que vacilam às chamas da fogueira.
Sou uma árvore que arde com duro prazer.
Só uma doçura me possui: a conivência com o mundo.
Eu amo a minha cruz, a que doloridamente carrego.
É o mínimo que posso fazer da minha vida:
aceitar comiseravelmente o sacrifício da noite.
Clarice Lispector -Água-Viva
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