É de vidro
o coração da Mulher.
Por isso, cuidado!
Não se deve quebrar
o que não se pode
soldar, emendar,
muito menos colar.
É de vidro.
Dê-lhe o trato devido!
®Verluci Almeida
08-06-2005
Direitos Autorais protegidos
pela Lei 9.610 de 19/02/98.
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APONTAMENTO
A minha alma partiu-se como um vaso vazio.
Caiu pela escada excessivamente abaixo.
Caiu das mãos da criada descuidada.
Caiu, fez-se em mais pedaços do que havia loiça no vaso.
Asneira? Impossível? Sei lá!
Tenho mais sensações do que tinha quando me sentia eu.
Sou um espalhamento de cacos sobre um capacho por sacudir.
Fiz barulho na queda como um vaso que se partia.
Os deuses que há debruçam-se do parapeito da escada.
E fitam os cacos que a criada deles fez de mim.
Não se zanguem com ela.
São tolerantes com ela.
O que era eu um vaso vazio?
Olham os cacos absurdamente conscientes,
Mas conscientes de si mesmos, não conscientes deles.
Olham e sorriem.
Sorriem tolerantes à criada involuntária.
Alastra a grande escadaria atapetada de estrelas.
Um caco brilha, virado do exterior lustroso, entre os astros.
A minha obra? A minha alma principal? A minha vida?
Um caco.
E os deuses olham-o especialmente, pois não sabem por que ficou ali.
Álvaro de Campos, 1929
P.S.
Álvaro de Campos, Ricardo Reis, Alberto Caeiro e Bernardo Soares
são alguns dos heterônimos deste grande poeta que admiro muito:
Fernando Pessoa. Como diz o poeta e crítico brasileiro
Frederico Barbosa: Fernando Pessoa foi "o enigma em pessoa".
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