Se Deus olha tudo, Você irá conseguir entender minhas letras tortas. Ontem meu novo tratamento se deu inicio, estou muito feliz. Saímos de casa as sete da manhã e retornamos apenas três da madrugada. Minha mãe achou melhor que eu fosse descansar. Queria ter pulado do carro e avançado no papel assim que cheguei, mas ela estava certa. Embora quisesse muito escrever como foi meu dia para o Senhor, não conseguiria. Não com esse corpo. Não mais nessa vida. As vezes penso coisas maldosas, coisas como ”Por que só eu sinto essas dores?” Me perdoe. Ontem Christina de nove anos, colega de sala se matou. Recebemos a noticia como um furacão dá boas vindas a uma cidade. Veio devastando tudo por onde passava. Estava mortinha da silva enforcada com uma corda no pescoço. Se fosse a alguns meses atrás, diria que ela foi muito egoísta. Porém, quando você passa por alguma dificuldade, começa enxergar o mundo de outra forma. Egoísta são as pessoas que apontaram os dedos. Quem somos nós para querer falar algo de alguém? Christina se matou porque essas mesmas pessoas que compareceram em seu enterro com lágrimas e flores, no passado só soube atirar-lhe pedras. É como sempre digo: Embora tenhamos ossos e sangue como todos, ninguém conhece o limite do outro. Não creio que o mundo um dia irá mudar. Mesmo não tendo rodado por países, aprendi muito olhando essas pessoas sem sal nem açúcar aqui de minha cidade. Todos nós conhecemos o quanto as palavras possuem poderes, mas poucos se importam. É por isto que prefiro o silencio. Não que eu não saiba responder o que falam, apenas acho que certas palavras machucariam demais se ditas. Senhor, onde fui ontem havia dezenas de crianças iguais a mim. Por um momento, não tive vergonha de ser quem me tornei. Eles eram carecas como eu. Eram pálidos como eu, vomitavam sangue nos sapatos das pessoas como eu. Não posso dizer que o tratamento está funcionando, mas estou positivo de que algo bom irá acontecer futuramente. Minha mãe também. Amanhã, retornarei na clinica. Meus cabelos estão começando a crescer. Será que devo me considerar um vencedor? Tenho medo de criar expectativas e me machucar mais ainda.
P.S.: Depois de amanhã acontecerá uma festa fantasia. Meu médico disse que posso ir fantasiado de alguma coisa. Bem, nunca fui em uma festa assim antes. Todos esperam que eu vá como anjo. Acho que é assim que todas as crianças de lá vão. Eu não sou todo mundo. Minha mãe passará para comprar uma fantasia de Super Homem. Não que seja forte como ele. Pra falar a verdade, sou fraco como um graveto. Quero uma fantasia de Super Homem porque mesmo que não seja forte fisicamente, tenho uma esperança de ferro.
– A vida de Freddie Landon, 08 anos.